Entrega, não emissão: o que realmente dispara o tributo?
A Lei Complementar 214/2025 trouxe uma redefinição decisiva para a rotina tributária das empresas com a introdução dos novos tributos IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). O ponto mais sensível e estratégico da legislação está no seu artigo 10: o fato gerador desses tributos passa a ser a entrega ou disponibilização do bem ou serviço, mesmo em operações fracionadas ou continuadas.
Isso rompe com a tradição de vincular a obrigação tributária à emissão da nota fiscal ou à saída física do produto. E para quem opera com prazos estendidos de entrega ou serviços que se prolongam ao longo de meses, essa alteração não é apenas conceitual ela impacta diretamente o fluxo de caixa, a programação de recolhimento e a gestão contábil.
O que significa “fornecimento” na prática?
A própria LC 214/2025, em seu artigo 3º, inciso II, define que o fornecimento ocorre:
- com a entrega física ou disponibilização de bens materiais;
- com a liberação de bens imateriais (softwares, licenças, direitos);
- ou no momento da prestação de serviços, mesmo que por etapas.
Em outras palavras, a obrigação nasce no instante em que o cliente tem acesso efetivo ao que foi contratado. E não importa se a operação está formalizada, se há nota emitida ou se o pagamento foi recebido. O critério é a materialização do fornecimento.
Como o fisco vai monitorar isso? As novas ferramentas digitais
Para lidar com a defasagem entre a emissão da nota e a entrega real do produto ou serviço, o fisco instituiu duas medidas técnicas que exigirão adequação dos sistemas ERP e do time fiscal:
- Campo “dPrevEntrega” na NF-e:
- Permite informar, no momento da emissão, a data prevista de entrega ou disponibilização.
- Aplicável exclusivamente para NF-e, não se aplica à NFC-e.
- Evento de Atualização da Data de Previsão de Entrega:
- Caso a entrega ocorra em data diferente da prevista, o fornecedor poderá ajustar essa previsão junto ao sistema da Receita.
- O objetivo é evitar que o débito seja consolidado no mês da previsão incorreta, transferindo-o para o mês efetivo de entrega.
Esses recursos mostram que o Fisco busca precisão temporal no recolhimento e que a responsabilidade será de quem emite.
Exemplo prático para empresários e gestores financeiros
Imagine uma indústria em Brasília que realiza uma venda em 28 de novembro, com entrega programada para 5 de dezembro. Antes da LC 214, o fato gerador estaria vinculado à saída ou emissão da nota. Agora, com a entrega em dezembro, a CBS e o IBS só serão devidos nesse mês o que pode alterar completamente a projeção de recolhimento tributário.
Caso a entrega atrase para o dia 12, o fornecedor deve usar o evento de atualização e mover o fato gerador para esta nova data. O descuido nesse processo pode resultar em antecipação indevida de tributos ou em autuações por divergência temporal.
Ajustes operacionais: o que muda nas empresas do Distrito Federal
Empresas que operam com entregas programadas, transporte interestadual ou projetos de longo prazo precisam rever:
- o fluxo de emissão fiscal;
- a parametrização dos ERPs;
- a conciliação entre logística e contabilidade;
- e a consistência das obrigações acessórias com a data real de entrega.
No Distrito Federal, onde grande parte das empresas atua com prestação de serviços, fornecimento público e comércio digitalizado, a rastreabilidade entre operação, entrega e apuração será um divisor de águas.
Recomendação estratégica da Gomide Contabilidade
Empresas que queiram reduzir riscos e manter previsibilidade financeira devem implantar imediatamente um processo interno de controle das datas de entrega — cruzando o fiscal com o operacional. Isso passa a ser uma nova métrica de conformidade tributária.
- A Gomide Contabilidade já está adaptando os fluxos fiscais dos clientes com base nessa nova lógica. Se a sua empresa ainda não mapeou esse impacto, agende um diagnóstico para identificar riscos de antecipação indevida de débitos ou falhas na escrituração digital.
O fato gerador do IBS e da CBS agora depende do que acontece na prática e não apenas do que está no papel. Isso exige que empresários, gestores e contadores atuem com sincronização precisa. A data da entrega se tornou o novo centro de gravidade da tributação.
Ignorar essa mudança é correr o risco de pagar antes da hora ou ser penalizado por omissão.
Referências oficiais
-
Lei Complementar nº 214, de 2025 (Reforma Tributária – IBS e CBS)
Publicação oficial no portal da Câmara dos Deputados
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2285666 -
Portal da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e)
Documentação técnica, eventos e campos como odPrevEntrega
https://www.nfe.fazenda.gov.br/portal -
Receita Federal do Brasil – Reforma Tributária
Central de conteúdos da RFB sobre a implementação do novo modelo
https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/reforma-tributaria -
Senado Federal – PLP 68/2024 (Tramitação da reforma tributária complementar)
https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/168161 -
Manual de Orientação do Contribuinte – NF-e (última versão)
Documento técnico para integração com os novos eventos fiscais
https://www.confaz.fazenda.gov.br/nf-e -
IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação
Informações analíticas e estudos sobre impactos da reforma tributária
https://ibpt.com.br -
Sebrae – Guia da Reforma Tributária para Pequenas Empresas
https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/reforma-tributaria